segunda-feira, 21 de julho de 2008

Escola, Estado e Sociedade


FICHAMENTO

FREITAG, Bárbara. Quadro Teórico, in: Escola, Estado e Sociedade. 4. ed. São Paulo: Moraes, pp. 15-43, 1980

  • Quanto à conceituação da educação e sua situação num contexto social, existe, em quase todos os autores, concordância em dois pontos:

1) A educação sempre expressa uma doutrina pedagógica, a qual implícita ou explicitamente se baseia em uma filosofia de vida, concepção do homem e sociedade;

2) Numa realidade social concreta, o processo educacional se dá através de instituições específicas (família, igreja, escola, comunidade) que se tornam porta-vozes de uma determinada doutrina pedagógica”. (p. 15)

  • A educação é para Durkheim o processo através do qual o egoísmo pessoal é superado e transformado em altruísmo, que beneficia a sociedade. Sem essa modificação substancial da natureza do homem individual em ser social, a sociedade não seria possível. A educação se torna assim um fator essencial e constitutivo da própria sociedade”. (p. 16)

  • Parsons, ao contrário de Durkheim, não destaca tanto o aspecto coercitivo do sistema face ao indivíduo, mas ressalta a complementaridade dos mecanismos em atuação a fim de satisfazer os requisitos do sistema social e do sistema de personalidade. Assim como o sistema tem necessidade de socializar seus membros integrantes, também o indivíduo tem necessidades que somente o sistema pode satisfazer”. (p. 17)

  • Divergem substancialmente dessa posição autores como Dewey ou Mannheim. Ambos vêem na educação não um mecanismo de correção e ajustamento dos indivíduos a estruturas societárias dadas, mas um fator de dinamização das estruturas, através do ato inovador do indivíduo”. (p. 18)

  • Assim vista, a educação exigida por Dewey vem a ser uma doutrina pedagógica específica da sociedade democrática. Educação não é simplesmente um mecanismo de perpetuação de estruturas sociais anteriores, mas um mecanismo de implantação de estruturas sociais ainda imperfeitas: as democráticas. (...) Pode haver diferenças de nível e de qualidade entre os indivíduos, mas eles as aceitam como justas porque adquiridas democraticamente”. (p. 19)

  • Assim, Mannheim, apesar de partir do objetivo final de uma sociedade democrática em pleno funcionamento, revela-se como um teórico na linha das reflexões de Dewey. É na própria experiência da vida em instituições de cunho democrático que se dá a educação para a democracia”. (p. 21)

  • As teorias educacionais até agora revistas pecam por seu alto grau de generalidade e seu extremo formalismo”. (p. 23)

  • O objetivo final, no caso de ambos os autores, é a sociedade democrática harmoniosa, em que reina a ordem e a tranqüilidade, onde conflitos e contradições encontram seus mecanismos de solução e canalização. Assim sendo, Dewey e Mannheim não diferem – quanto aos resultados finais de suas teorias – da posição a priori conservadora de Durkheim e Parsons. Pois, uma vez implantada a sociedade democrática, a função da educação se reduzirá a sua manutenção”. (p. 24)

  • Divergem fundamentalmente dessa concepção do processo educativo autores como Passeron e Bourdieu. (...) O sistema educacional é visto como uma instituição que preenche duas funções estratégicas para a sociedade capitalista: a reprodução da cultura (nisso os autores coincidem com as colocações feitas por Durkheim ou Parsons) e a reprodução da estrutura de classes. Uma das funções se manifesta no mundo das “representações simbólicas” (Bourdieu) ou ideologia, a outra atua na própria realidade social”. (p. 24)

  • Bourdieu e Passeron mostram que o sistema educacional francês moderno consegue, desta maneira, desempenhar, de forma mais ajustada que o sistema tradicional, a sua dupla função de reprodução (cultural e social)”. (p. 25)

  • Parece óbvio que a sociologia da educação tem negligenciado o aspecto econômico da educação, dando origem a disciplinas paralelas como planejamento educacional e economia da educação que procuram preencher as áreas não consideradas pelas teorias educacionais até aqui recapituladas. Becker, Schultz, Edding e Slow são os pais dessas novas disciplinas que hoje orientam as decisões de muitos governos na área educacional. (...) Partem eles de uma constatação empírica que fundamenta suas reflexões teóricas: a alta correlação entre crescimento econômico e nível educacional dos membros de uma sociedade dada. (...) Desde então se vem falando em investimento em recursos humanos, formação de capital humano, formação de manpower”. (p. 27)

  • A força de trabalho não é qualificada, no interesse do trabalhador, para que melhore sua vida, se independentize e se emancipe das relações de trabalho vigentes, mas sim, par aprimorar e tornar mais eficazes essas relações, ou seja, a dependência do trabalhador em relação ao capitalista”. (p. 28-29)

  • Os modelos de economia da educação não divergem, em seus pressupostos básicos, das colocações de Durkheim e Parsons. Podemos dizer que os economistas da educação reassentaram o modelo sistêmico de Parsons em suas bases econômicas, pois a teoria do papel nele formulada consiste numa aparente troca de equivalentes”. (p. 30)

  • A economia da educação justamente ajuda a disfarçar a essência do problema subjacente a estas ideologias da igualdade de chances e da troca de equivalentes. Marx mostrou em sua teoria do valor que de fato pode haver equivalência entre duas mercadorias desde que medidas com uma unidade padrão que seja comum a ambas: o tempo médio socialmente necessário absorvido para sua produção. Por isso se pode trocar um saco de arroz por dois de feijão. A única mercadoria disponível no mercado em que a equivalência não funciona é em relação a própria força de trabalho. O seu valor de uso diverge de seu valor de troca. Pois ela, ao ser comprada no mercado por um valor, quando usada no processo de trabalho, produz mais valor do que custou ao comprador, o capitalista”. (p. 31)

  • Os modelos teóricos sistêmicos tanto de Parsons como de Becker ou Schultz descrevem, portanto, o aspecto exterior do funcionamento dos sistemas sociais. Não revelam os verdadeiros mecanismos que produzem e mantêm as estruturas de desigualdade, mas os escondem atrás de aparentes igualdades e equivalências. (...) Essa análise é feita pela primeira vez de forma exaustiva e explícita por Althusser, Poulantzas e Establet”. (p. 32)

  • É Althusser que, pela primeira vez, caracteriza a escola como “aparelho ideológico do estado” (AIE). (...) A escola contrubui, pois, de duas formas, para o processo de reprodução da formação social do capitalismo: por um lado reproduzindo as forças produtivas, por outro, as relações de produção existentes”. (p. 33)

  • Nisso se apóiam no próprio Marx, que deixou bem claro que a sociedade de classes não só é gerada, mas também reproduzida na própria esfera da produção”. (p. 34)

  • Althusser, Poulantzas e Establet fornecem um referencial teórico que realmente permite analisar, explicar e criticar o funcionamento da escola nas modernas sociedades capitalistas”. (p. 35)

  • Gramsci vai ser o autor que atribui à escola e a outras instituições da sociedade civil (ou seja, aos AIE de Althusser) essa dupla função estratégica (ou seja, a função dialética) de conservar e minar as estruturas capitalistas. (...) Uma contribuição importante de Gramsci à teoria do pensamento marxista consiste na revisão do conceito de Estado. (...) Para Gramsci a sociedade civil expressa o momento da persuasão e do consenso que, conjuntamente com o momento da repressão e da violência (sociedade política), asseguram a manutenção da estrutura de poder (Estado). Na sociedade civil a dominação se expressa sob a forma de hegemonia, na sociedade política sob a forma de ditadura”. (p. 37)

  • A função hegemônica está plenamente realizada, quando a classe no poder consegue paralisar a circulação de contra-ideologias, suscitando o consenso e a colaboração da classe oprimida que vive sua opressão como se fosse a liberdade. Nesse caso houve uma interiorização absoluta na normatividade hegemônica. (...) Por isso a estratégia política da classe oprimida deve visar também o controle da sociedade civil, com o objetivo de consolidar uma contra hegemonia”. (p. 38)

  • É nesse contexto que assume importância a concepção da sociedade civil como o lugar da circulação (livre) de ideologias. (...) Esta procurará realizar-se através das próprias instituições privadas, os AIE, refuncionalizando-os ou criando contra-instituições que divulguem a nova concepção do mundo, procurando corroer o senso comum”. (p. 39)

  • Somente ele [o esquema gramsciano] permite a conceituação de uma pedagogia do oprimido e uma educação emancipatória institucionalizada. Isso porque o referencial teórico não se limita à análise, explicação e crítica de uma sociedade historicamente estabelecida (como a sociedade do capitalismo avançado), mas oferece também os instrumentos para pensar e realizar, com o auxílio da escola e das demais instituições da sociedade civil (e em certos momentos históricos, eventualmente, a partir deles), uma nova estrutura societária”. (p. 39-40)

  • É por isso que, para Gramsci, “toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica”. E toda conceituação de educação é necessariamente uma estratégia política. Isso explica por que o controle do sistema educacional constitui um momento decisivo na luta de classes. (...) É por isso que o modelo gramsciano, explicitado em certos aspectos pelos althusserianos, fornece o quadro teórico referencial mais adequado para a nossa análise da política educacional brasileira”. (p. 40)

  • Podemos dizer que isso ocorreu em relação à escola e à valorização da educação como força produtiva no justo momento em que a reprodução ampliada passou a depender da força de trabalho cada vez mais qualificada”. (p. 42-43)

  • O Estado através de sua política educacional só é o ator e a causa central do funcionamento do moderno sistema de educação capitalista, aparentemente. Em verdade seu papel é o de mediador dos interesses da classe dominante. Esses interesses se concentram na base do sistema, a produção de mais-valia, ou seja, manter as relações de exploração da classe subalterna. É este o quadro referencial teórico dentro do qual procuraremos desenvolver nossa análise da política educacional brasileira da última década”. (p. 43)

Um comentário:

Unknown disse...

Nossa estou estudando para concurso, excelente sua resenha. Me ajudou muito.